quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Problema Social da Drogadição Sob a Ótica Psicanalítica

Charlene Santos Cardoso
Universidade Federal do Espirito Santo - UFES
Artigo Cientifico da Disciplina: Freud Como Teorico da Modernidade Bloqueada
Professor: Vladimir Safatle.



RESUMO

A sociedade contemporânea em que vivemos, precisamente o século XXI, é marcada por mudanças. Mudanças de paradigmas, mudanças culturais, sócio-econômicas e de valores, que implicam necessariamente em uma re-adaptação do indivíduo em seu meio. Frente a tantas mudanças, que não deixam de interferir no afeto e no comportamento, o indivíduo em sua unicidade e a própria coletividade têm sentido os efeitos desses impactos.

Ao contrário do que muitos pensam a Dependência Química não é uma causa dos males atuais da sociedade, mas, um dos efeitos do caos em que emerge esta mesma sociedade. Esta falta de identidade contemporânea tem trazido ao indivíduo uma necessidade de se alienar de toda esta angústia conseqüente. Por outro lado, paradoxalmente, quando o indivíduo busca as drogas, este tem a uma possibilidade de encontrar a identidade perdida por meio da identificação grupal.

Diante de todos os efeitos que a sociedade tem presenciado frente a este processo mutante contemporâneo, é sobre a Dependência Química enquanto efeito que vamos discutir neste artigo que tem como objetivo procurar compreender o problema social da drogadição bem como a visão psicanalítica de Freud diante desse problema social.

O artigo tem como base de investigação uma pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Problema social, adicção e psicanálise.

ABSTRACT

Contemporary society we live in, precisely twenty-first century is marked by change. Paradigm shifts, cultural, and socio-economic values, which necessarily imply a re-adjustment of the individual in their midst. Faced with so many changes, which do not cease to interfere with the affection and behavior, the individual in their uniqueness and their own community have felt the effects of these impacts.

Contrary to what many think the Addiction is not a cause of present evils of society, but one effect of the chaos that emerges from this same company. This lack of contemporary identity has brought to an individual need to dispose of all this anguish consequent. On the other hand, paradoxically, when the individual seeking drugs, he has a chance of finding the lost identity by means of group identification.

With all the effects that society has seen the face of this contemporary process of mutation is about the Chemical Dependency effect as we discuss in this article that aims to seek to understand the social problem of drug addiction and the psychoanalytic view of Freud on this issue social.

The article is based on a literature research.

Keywords: social problem, addiction and psychoanalysis.



O Problema Social da Drogadição Sob a Ótica Psicanalítica

Desde os primórdios de sua história, o homem tem mostrado curiosidade ou desejo por realizar experiências com substâncias psicoativas. Em todas as épocas, os homens valeram-se de produtos psicoativos para modificar sua consciência, explorar seu ego de maneira mais profunda e descobrir as fontes onde acreditavam residir a felicidade verdadeira.

A história do homem, em seus mitos e lendas, está repleta de experiências de revolta contra as contingências que limitam seu desejo de transcendência, em que ele busca a imortalidade, o prazer e o saber através do uso de drogas.

A posição da sociedade diante do uso de substâncias psicoativas, a proibição ou a legalidade de seus diferentes tipos, as regras e objetivos para sua utilização, assim como a finalidade e o significado de seu consumo variam entre as culturas e, historicamente, dentro de uma mesma cultura. Enquanto uma sociedade considera as drogas um mal a ser eliminado, outra a toma como um bem, um meio privilegiado de expressão de sensibilidade e sabedoria.

De acordo com Bucher, 1988 pode-se falar de três sentidos básicos que adquiriu o consumo de drogas. Os dois primeiros sentidos referem-se à droga como um instrumento que permite transcender a transitoriedade e a angústia que esta acarreta, bem como possibilitar o contato com forças divinas e espirituais, representando um meio do qual os indivíduos se servem para tentar preencher uma falta fundamental e alargar seus limites existenciais. A angústia sentida pelo homem diante da questão da morte, as experiências religiosas e, sobretudo, místicas com drogas documentam esses dois sentidos, incluindo, portanto, os denominados usos ritualísticos. A droga, aqui, está inserida em um contexto cultural e estruturante e refere-se a uma intencionalidade ou a projetos individuais ou sociais, cujas normas são passadas de geração a geração. Bucher, 1988 diz ainda que recorrer às drogas ainda permite um terceiro sentido, o da busca de prazer, que é o que, obviamente, predomina na cultura ocidental contemporânea. Dissociado de sua finalidade cultural, o consumo atual da droga reflete a procura de prazer que se impõe como um fim em si, evidenciando não mais um caráter social construtivo, pois já não é o caso apenas de uma recusa social, mas muito mais de um sentir-se incapaz de se situar tanto no âmbito individual quanto social.

Estando a constituição psíquica do ser humano individual intimamente ligada à introjeção de valores culturais em vigência na sociedade em que vive, o uso da droga na sociedade contemporânea não está dissociado dos aspectos culturais que essa sociedade privilegia. Relações competitivas e individualistas, imediatismo, a obtenção do prazer fácil estimulam, no indivíduo, com particular violência, o desejo da obtenção imediata de um prazer intenso, solitário, muito mais restrito ao corpo, sem expressões culturais verdadeiras, limitando todos os possíveis investimentos dirigidos ao outro, quando não os extinguindo. Na atualidade, o uso de substâncias psicoativas encontra cada vez menos espaço para o seu uso ritualizado, de experiência transcendente, provavelmente em unção de nossa organização social estar baseada em um sistema que, em última instância, aliena o sujeito de si mesmo. Dessa forma, abre-se espaço para um uso cada vez mais abusivo e desintegrador.

A antiga comunidade transformou-se, no caso extremo do capitalismo, em um

mecanismo social desumanizado que, embora torne possível a individualização, é hostil e estranho ao indivíduo. Portanto, embora o problema da Drogadição e do uso abusivo de drogas compreenda uma dimensão patológica e clássica, é inviável resumir sua explicação a essa dimensão. Se é tentador aos psiquiatras “patologizar” tais indivíduos, classificando-os seja como “perversos”, seja como “desequilibrados”, nada mais equivocado do que ater-se a um plano puramente descritivo para compreender o fenômeno da adicção, cuja determinação dos fatores desencadeantes é quase sempre inacessível à observação direta. Para se compreender o fenômeno é necessário tentar ver, por trás das aparências caracterológicas da drogadição, os meandros da história do indivíduo da qual elas são o sintoma ou o conflito social da qual são o anúncio. (Marx, 1991).

A sociedade não apenas delimita o espaço em que o uso de drogas não é patológico (como no caso de usos rituais presentes em determinadas culturas), como também pode impulsionar, de diferentes maneiras (mesmo que de forma inconsciente no sentido descritivo) indivíduos com certas características de personalidade a procurar a droga.

Quanto à idéia da primazia do imediatismo na circunscrição da sociedade atual, observa-se que, além da necessidade de busca incessante do prazer, é proibido às pessoas terem sofrimentos ou angústias – existe um remédio específico para cada dor; esta deve ser suprimida e evitada ao máximo. Uma característica típica dos indivíduos dependentes de drogas refere-se a essa intolerância à espera, na medida em que as suas necessidades devem ser satisfeitas imediatamente. Quando isso não acontece, os adictos reagem a essa frustração como se fosse um traumatismo e utilizam a droga como fuga ou um falso remédio para suas angústias. Considerando que essa é uma característica fundamental da sociedade nos dias de hoje, poderia-se pensar se os adictos não encontraram uma forma de atender às demandas provenientes da própria sociedade. Assim, o uso cada vez mais crescente de drogas estaria evidenciando um sintoma social.

Kalina 1999, sublinha o aspecto depressivo na personalidade drogadictiva; a focaliza, nesta patologia, a importância da fuga à dor e a tentativa de escapar à depressão e ao que é sentido como persecutório. De acordo com essa perspectiva, o drogadicto dificilmente poderá tolerar o ingresso na posição depressiva2, uma vez que ele sente-se incapaz de aceitar as frustrações sem que essa aceitação acarrete a perda do objeto bom; com o intuito de evitar cair nessa posição, o toxicômano utiliza-se da droga. A droga, mais uma vez torna-se “necessária”, visto que ela é um objeto idealizado pelo toxicômano e sua ingestão é feita pelo mesmo com a ilusão de eliminar a ansiedade paranóide produzida pela ameaça constante do núcleo psicótico subjacente. Ela afirma que a eliminação dessa ansiedade equivale à superação da fragilidade do ego e, por fim, à descoberta de um caminho quimicamente efetivo para evitar a desintegração psicótica. A organização psíquica dos indivíduos dependentes de drogas compreende, além dessas características, outros elementos de extrema importância para o seu entendimento.

A paixão tóxica, constitutiva dessa patologia, consiste em um tipo de amor muito específico: um amor caracterizado por uma economia psíquica essencialmente narcísica. A busca imperiosa pela droga é, em si, extremamente narcísica; o investimento libidinal é retirado do mundo exterior e dirigido para o próprio indivíduo toxicômano através da droga – a droga é o seu objeto de amor. A libido, convertida em narcisista, não encontra, então, um caminho de regresso para os objetos (no caso da drogadição, para outros objetos que não a droga) e este obstáculo à sua mobilidade é o que passa a ser patológico. (Kalina 1999)

Esse caminho de retorno ao estado primitivo do narcisismo trata-se de uma

verdadeira regressão. Essa regressão íntima e de comportamento altera completamente as relações do toxicômano com o mundo e, excetuando-se impulsos agressivos.

A posição depressiva, postulada por Kaline, tem início quando a criança reconhece sua mãe como objeto total. Relaciona-se a uma constelação de relações de objeto e ansiedades; caracterizada pela experiência da criança de atacar a mãe ambivalentemente amada e de perdê-la como objeto externo e interno. Essa experiência origina sofrimento, culpa e sentimentos de perda.o que predomina na vida dos toxicômanos é principalmente a inibição, a recusa a se conhecer e a fuga graças às fantasias de poder.

Segundo Oliveinstein (1988) afirma que uma das dimensões da utilização da droga é o desejo de refutar a existência tal como é vivida. Esses elementos recorrem à imagem de um desejo de morte e não mais a de um desejo de prazer apenas.

Esse desejo de morte liga-se, intimamente, mas de forma ainda não totalmente

explorada pela psicanálise na patologia em questão, à última teoria pulsional de Freud.

Em Totem e Tabu, de 1913, Freud, considera o homem como um animal de horda, dado que o grupo humano, nas suas origens não passaria de uma massa aglutinada em torno de um macho dominante, de um pai despótico e onipotente, que se apropriava de todas as mulheres e perseguia os filhos quando estes cresciam. Certo dia, os irmãos, revoltaram-se, matando e comendo o pai, transitando-se, a partir deste parricídio, da horda biológica e instintiva, para a comunidade, diferenciada e orgânica. Num terceiro tempo, terá vindo o remorso, o sentimento de culpabilidade, gerando-se tanto o tabu (por exemplo, a proibição de tomar mulheres dentro do próprio grupo) como o totem, o culto do antepassado assassinado que, assim, se diviniza e idealiza. E nesse complexo de Édipo estão os começos da religião, da moral, da sociedade e da arte. Neste sentido, o príncipe aparece como substituto do pai.

O líder na figura de pai e seus seguidores, enquanto filhos tornam a luta política uma luta geracional. Na ambivalência, as mudanças sociais se tornam recorrências e as relações sociais só tem sentido pelas necessidades psicológicas que preenchem. A crítica social é desvalorizada, na medida em que é vista como manifestação da ambivalência geral das emoções. A desconfiança dos governados ante o poder não se dá por uma visão nacional de suas vitórias e fracassos, mas como expressão de sentimentos hostis.

Freud (1938), afirma que: “Após longa vacilação e oscilação temos resolvido aceitar somente duas pulsões básicas: Eros e pulsão de destruição. A meta da primeira [de Eros] é produzir unidades cada vez maiores e, assim, conservá-las, ou seja, uma ligação; a meta da outra é, ao contrário, dissolver nexos e, assim, destruir as coisas do mundo.

Portanto, a ação de ambas as pulsões está além dos limites individuais, exteriorizando-se na cultura por meio de sua contraposição entre Eros e pulsão de destruição.

Freud, em Além do princípio do prazer (1920), diz ainda que, as exteriorizações de uma compulsão de repetição – como a encontrada no comportamento do adicto – mostra em alto grau um caráter pulsional e onde se encontram em oposição ao princípio do prazer. Essa compulsão de repetição aparece como mais originária, mais elementar, mais pulsional que o princípio de prazer que ela destrona. A tarefa desta compulsão de repetição seria, então, a de dominar ou ligar a excitação a fim de conduzi-la depois a sua tramitação (à aplicação do princípio do prazer.

Conclusão

A dinâmica psíquica de drogaditos é desse modo, algo complexo e não redutível a um determinado aspecto. O encontro da droga com um indivíduo não é suficiente para “produzir” o fenômeno da toxicomania. É necessário o encontro entre um indivíduo que possui um funcionamento específico de personalidade (uma estrutura psíquica com certas características), um momento histórico e social e uma substância capaz de alterar esse funcionamento, atuando de forma a minimizar o sofrimento sentido por este indivíduo ou trazê-lo a um estado de satisfações nunca antes concebido.

Portanto, a identificação dos fatores que contribuem para explicar a psicodinâmica do adicto certamente ultrapassará o nível individual, podendo-nos levar a concordar com Freud quando ele afirma que o mal-estar está na civilização.


Referencias Bibliográficas

BUCHER, R. - Organizador. As drogas e a vida: uma abordagem biopsicossocial

CORDATO- Centro de Orientação sobre Drogas e Atendimento a Toxicômanos. São Paulo: EPU, 1988.

FREUD, S. Obras Completas de S. Freud. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1988.

KALINA, E.; KOVADLOFF, P.M.; SERRAN, J.G.; CESARMAN, F. Drogadição Hoje: indivíduo, família e sociedade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

MARX, K. Formações Econômicas Pré-Capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

OLIVENSTEIN, C. A droga, 3° edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.







Um comentário:

  1. Parabéns
    Continue com dedicação e compromisso na execução de suas tarefas.
    Att.
    Adriana

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